algo em mí me castiga 

desde todas mís vidas 

 Alejandra Pizarnik

Uma mão quente. 

Uma casa quente. 

Um pullover quente

 para cobrir meus pensamentos gelados. 

Um corpo quente 

para cobrir o meu corpo. 

Uma alma quente

 para cobrir a minha alma. 

Uma vida quente

 para cobrir a minha vida gelada. 

 Sonia Åkesson

sabia chorar 

 mas agora estou para além das lágrimas

 Sarah Kane

20 anos depois, enquanto me falas

 de pequenas cidades - pergunto-me

 se uma recordação é algo que conservamos

 ou algo que já perdemos 

 Benjamín Prado
 (Foto de Laura Makabresku)

Tudo em mim é um pássaro 

 Anne Sexton

Está vazio o teu peito  No lugar

 do coração talvez um ataúde

 ou nem isso uma sombra

 igual a essa noite onde procuras

 o mar o imenso mar e só encontras

 sede 

 Fernando Pinto do Amaral

Por vezes pode dizer-se que nada acontece a não ser essa mentira

Marguerite Duras

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus. 

 Tempo de absoluta depuração. 

Tempo em que não se diz mais: meu amor. 

Porque o amor resultou inútil.

 E os olhos não choram. 

E as mãos tecem apenas o rude trabalho.

 E o coração está seco. 

 Carlos Drummond de Andrade
 (Foto de Natalia Drepina)

do curso breve de literatura 

 que fiz numa esplanada 

enquanto os músicos de rua 

 tocavam um flamengo desafinado

 aprendi: 

 que a poesia é a comparação 

 de todas as coisas do mundo

 a todas as outras coisas do mundo. 

 espero que não leves a mal

 que pense mansamente em ti

 quando vejo um escaravelho alimentando-se 

de uma palmeira a morrer de pé. 

 entende que comparar-te a um ulisses

 seria uma hipérbole e que sempre recusei o augúrio

 anunciado pela varanda do teu quarto

 e da sua vista para o maior cemitério da cidade.

 mas comparava-te então à palmeira, 

embora te julge por vezes escaravelho, 

 quando o teu exoesqueleto estala à pressão 

das minhas mãos e da vida em comum. 

 foi contigo e com as palmeiras 

 que aprendi a tentar fingir

 a verticalidade dos vivos.

 não me leves então a mal 

 que pense em ti com o mesmo carinho

 com que penso nas palmeiras mortas, 

ou nas crisálidas que fiz explodir entre os dedos 

quando me deixaste sozinha

 a tomar conta dos teus medos ainda por abrir. 

 Ana Bessa Carvalho

geografia íntima

tantas vezes recordo aquele

 corpo que não sabia do prazer que me dava, 

 tantas vezes acordo e o seu nome quase

 me escapa dos lábios, reconheço as feridas,

 os golpes todos, se lembro é porque quero 

 esquecer 

 Helder Moura Pereira

Soñé que me miraba y que me sonreía como quien oye dulces mentiras. 

 Era tan cierto que tenía que ser mentira. 

 Alejandra Pizarnik

Parto de um rosto ou de um corpo que vou destruindo. Sou

 todos os rostos e todos os corpos. Lugar de desarmonia

 - Sou um intervalo. Nunca preenchido 

 Rui Nunes

Eu espero-te até que a casa se suma lentamente à flor da terra

Ernesto Sampaio

hoje

Alguém que andava a ver se te esquecia 

 e a cuja memória, por isso mesmo, 

 regressavas como a melodia de uma canção da moda 

 que todos trauteiam sem querer, 

 ou como a frase de um anúncio ou um lema; 

 alguém assim, agora, 

 provavelmente

 (seguramente) sem o saber, 

 começou, finalmente, a esquecer-te. 

 Hoje és menos. 

 Roberto Fernández Retamar
 (Foto de Nishe)

Alguma vez 

alguma vez talvez 

me irei sem ficar

 me irei como quem vai 

 Alejandra Pizarnik

Se soubesses como ainda amo as rosas, 

 talvez não enchesses as horas de pesadelos 

 Eugenio de Andrade
(Foto de Anna O)

Terminamos tudo para sempre, outra vez

 Charles Bukowski

Cúrame del vacío 

Alejandra Pizarnik
Foto de Sónia Silva

espera-me uma infindável noite, escrevo contra o medo

 Al Berto

É o amor, eu sei, eu sei, 

a fome e a alma de todas as coisas, 

mas há dias, eu juro, em que

 luto com todas as minhas forças, 

para que não seja a raiva,

 a razão de todos os actos importantes.

 Pedro Santo Tirso
  (Foto de Laura Makabresku)

Não me movo, 

quase não respiro, 

tento não existir, 

estou sem estar, 

sou paisagem, 

sou o nada dentro de tudo, 

sou um peixe a boiar no escuro, 

sou um pedaço de céu, 

uma nuvem, uma árvore, 

um agapanto em pranto,

 uma planta a secar num vaso, 

carente de água e de gestos de ternura. 

 Raquel Serejo Martins
(Foto de Katia Chausheva)